terça-feira, 23 de novembro de 2010

A magia das datas históricas e a primeira República

por Aires Gameiro
Lisboa, 18 de Novembro de 2010


Para não deixar morrer o passado comemoram-se datas milenares, seculares e outras. Dois mil anos da Redenção, 500 da descoberta do Brasil, 200 das Invasões Francesas, 100 da I República, e em breve 500 da Diocese do Funchal (2014) e os 100 das Aparições de Fátima (2017), etc., etc. Congressos, Colóquios e Encontros sucedem-se de forma vertiginosa. Neles centenas de investigadores recompõem as nossas representações sociais da história recente ou distante.

Neste ano os eventos da I República tem sido passados a muitos pentes finos com novos dados, novas desocultações, avaliações e interpretações. Em vários desses encontros em que participei, entre os quais o Colóquio de História Militar , surgiram posições laudatórias, críticas impiedosas e posições intermédias. Sem fazer reportagem deixaria algumas menos faladas.

A República prometeu democracia e não deu voto às mulheres nem aos anafabetos, excluindo logo cerca de 70% dos cidadãos. Nunca foi por isso legitimada. Ou como foi referido: a democracia é o sistema de governo que permite que o demitam com eleições. Prometeu liberdade mas foi intolerante para grandes camadas da população. Prometeu reduzir o analfabetismo mas não cumpriu. Prometeu descentralização e quase não passou de Lisboa.

Por outro lado cometeu vários erros crassos difíceis de compreender mesmo à luz desse tempo. Criou rupturas com os militares entregando a sua defesa a forças marginais da Carbonária e por isso foi a revolução mais sangrenta do século XX com 73 mortos. Práticamente foi uma revolução de um partido, o Republicano, da Maçonaria, da Carbonária e de militares de baixa patente.

Criou rupturas com a Igreja que levaram a excessos de parte a parte; e não apenas com a Igreja, com toda a religião com excepção da “religião republicana”, as suas procissões laicas de círios destinados a substituir as católicas. A religião, menos a republicana, devia acabar no espaço português, ponto final. Daí, em parte, a raiva maçónica quando surgiram a afirmação de católicos e o fenómeno Fátima. Rompeu com os operários por serem analfabetos e não proprietários...

Talvez um dos maiores erros foi o da entrada na I Grande Guerra embora o facto tenha trazido o benefício de não perder as colónias. Resumindo o erro teria sido: entrou na guerra sem preparação militar, sem armas, sem transportes, sem mantimentos, sem fardamento, sem enquadramento e, pior de tudo, sem apoio do país real. Todos estes erros por vontade da França deviam ser remediados pela Inglaterra que só remediou alguns a contra-gosto. E por isso, também em parte segundo alguns, o massacre dos oito mil mortos só num dia em La Lys. Vingança dos ingleses?

A I República tinha um sonho messiânico de regenerar toda a sociedade e por isso decretou com a ajuda de alienistas geniais como Miguel Bombarda, Júlio de Matos, e outros que vários grupos sociais eram mesmo degenerados mentais. Para começar as mulheres eram as primeiras que não conseguiam ser livres das influências “nefastas” da Igreja e por isso não podiam votar. O “povo” era analfabeto e só depois de regenerado podia participar na República. Mas os mais degenerados mentais de todos eram os jesuítas, não regeneráveis, a encerrar. Daí o anti-jesuitismo mais virulento que o anti-congreganismo e o anti-clericalismo. Tantos inimigos, para os republicanos!

Afirmação de António Sérgio tem pleno cabimento: a República não conseguiu fazer a República; e isso devido ao erro de a República dever ser dos republicanos (Afonso Costa) e não de todos os portugueses como queria António José de Almeida, como foi sendo e até para muitos monárquicos. E qual teria sido um dos maiores benefícios da República: a separação da Igreja do Estado. “Quando isso acontecer está perto a vossa libertação”(Jesus Cristo no Evangelho).