AS PRIORIDADES DO ABORTO E DE QUEM O PRATICA
Vou contar-vos uma história muito triste. Era uma vez, na Primavera de 2010, uma jovem de 35 anos, casada, com dois filhos, Sandra Pontes Kaizeler, que foi fazer exames clínicos ao Hospital de Setúbal, o mais perto que há nas cercanias de Palmela, onde reside, e ficou a saber que tinha um problema oncológico no colo do útero, pelo que teria de se submeter a uma cirurgia para o resolver. Operada em Junho, com sucesso, segundo lhe disseram no hospital, teve alta, o vírus que causou a malignidade da doença fora neutralizado, pelo que lhe foi dito que fizesse exames daí a três meses, recomendação que seguiu em finais de Outubro. Face aos resultados, conhecidos em Novembro, decidiram então fazer-lhe uma biopsia por terem detectado a persistência do vírus que originou a ferida no colo do útero, o que prefigurava uma recidiva. Em consequência, o cirurgião, Dr. Sacramento, marcou-lhe segunda intervenção para daí a dois meses, mais precisamente no dia 25 de Janeiro de 2011, e a Sandra entrou de véspera no mesmo Hospital de Setúbal para os preparativos. Acordou na manhã do dia seguinte decidida a atravessar mais essa provação, que teria lugar cerca das treze horas, conforme lhe foi dito. Porém, ao meio-dia e meia hora, efectuados os preparos pré-operatórios, pronta para seguir para o bloco, comunicaram-lhe que afinal a intervenção fora cancelada, em virtude de terem surgido outras pacientes no serviço de cirurgia ginecológica daquela unidade hospitalar, cujo atendimento era prioritário sobre as restantes.
O Dr. Sacramento, o mesmo que sempre acompanhou o seu caso, insurgiu-se prontamente, dizendo da sua indignação, já que não fora para fazer abortos que andara tantos anos a cursar Medicina, nem aceitava passar à frente de doentes com problemas do foro oncológico algumas mulheres descuidadas nas suas relações sexuais, chegando ao ponto de não se apresentar junto da jovem em questão, filha de uma senhora que me é próxima há mais de quarenta anos, para lhe dar a respectiva alta, por se encontrar profundamente envergonhado, tarefa que acabou por caber à directora do hospital, Dra. Teresa Matos, que explicou à protagonista deste tristíssimo episódio nada poder fazer, por o sucedido decorrer do que a lei estipula de acordo com as indicações do Ministério da Saúde.
Na sequência desta aberrante situação foi-lhe marcada uma outra data, 15 de Fevereiro, para a cirurgia que lhe haviam dito ser urgente. No entanto inesperada e surpreendentemente, através de um telefonema recebido no dia 3 de Fevereiro, ficou a saber, não sem alguma estupefacção, que a mesma fora adiada para o dia 8 de Março. Justificadamente revoltada, Sandra Kaizeler dirigiu-se à sua médica de família, Dra. Suzete Polónia, que se quedou igualmente indignada com o sucedido, tanto mais que, segundo disse, os custos decorrentes de todo este imbróglio comportam, não um, mas dois internamentos, não um, mas dois preparativos pré-operatórios, tudo traduzido num aumento dos custos para o estado, quando o assunto poderia e deveria ter ficado resolvido na data certa, não fora a inqualificável prioridade concedida a mulheres descuidadas, chegando mesmo a Dra. Suzete Polónia a ironizar, por meio de uma sugestão para que ela engravidasse e se apresentasse no dito hospital para abortar -- talvez assim passasse a ser merecedora de atendimento urgente!
E assim termina, para já, esta história, impensável numa sociedade que se pretende democrática e civilizada, num hospital português, no começo da segunda década do século XXI, em que mulheres que sofrem de problemas oncológicos, resolúveis apenas por meio de cirurgia, são secundarizadas por outras que de nada padecem e não podem aguardar que as safem das consequências do seu desleixo no que toca a essa apreciadíssima decisão que é terem relações sexuais sem tomarem as devidas precauções. Que desgraça de país este em que transformaram Portugal e que desgraçadas são algumas das suas mulheres!"
*by
João Braga on Friday, February 4, 2011 at 3:20pm