* vice-presidente do Parlamento Europeu
Por Antonio Gaspari
BRUXELAS, segunda-feira, 28 de janeiro de 2008 (ZENIT.org).- Para onde vai a Europa? O que será das raízes cristãs? Sobreviverá à queda demográfica e à crise moral que a afeta? Conseguirá renovar e alimentar a esperança das novas gerações? Como conseguirá integrar tantos e diferentes fluxos de imigrantes?
Estas e outras perguntas foram feitas pela Zenit a Mario Mauro, vice-presidente do Parlamento Europeu, professor de História das Instituições Européias e autor do livro em italiano «O Deus da Europa» («Il Dio dell’Europa», edições Ares, 2007).
–Em que ponto está a Constituição Europeia? Há possibilidades de que se reconheçam as raízes cristãs?
–Mauro: Ainda conservando elementos de imperfeição e com modestos progressos, conseguidos quanto ao processo de decisões, podemos afirmar que, após a assinatura do Novo Tratado sobre a União Européia, a democraticidade da União terá crescido.
O órgão legislativo e representativo por excelência, aquele que em todos os estados nacionais tem competência exclusiva (ou quase) com relação à iniciativa legislativa, ou seja, o Parlamento Europeu e com ele os cidadãos europeus, pode afirmar que é o grande vencedor do Tratado de Reforma.
Tratado que não tem já um caráter constitucional que mantém importantes realizações quanto à legitimidade democrática, eficácia e reforço dos direitos dos cidadãos (com algumas importantes exceções com relação ao Reino Unido e outros estados membros): um dos primeiros artigos do Tratado da União Européia (UE) define claramente os valores nos quais se funda a União Européia, outro artigo enuncia seus objetivos. Não sendo já um documento de valor constitucional, a ausência de uma alusão às raízes cristãs tem menos peso e se pode considerar reaberta a questão.
–Você é autor do livro «O Deus da Europa». Pode nos dizer suas conclusões? Em que a Europa acredita hoje?
–Mauro: O livro pode ajudar-nos a responder a perguntas vitais para o futuro de nosso continente. Há um fio condutor da história européia que possa ser considerado como vinculado às decisões históricas de De Gaspari, Adenauer e Schuman? A Europa de hoje responde ainda ao projeto dos pais fundadores? Como se pode voltar a estas questões fundamentais como a do povo europeu e suas aspirações? O que falta hoje na «aspiração européia»? Por que, apesar das rejeições à Constituição Européia, parece que ninguém quer enfrentar com decisão o problema central da identidade européia? Quais são os espaços disponíveis para o protagonismo da sociedade civil européia? Existe um reconhecimento real e concreto da subsidiariedade no âmbito europeu?
Bento XVI recorda que os grandes perigos contemporâneos para a convivência entre os homens vêm do fundamentalismo – a pretensão de colocar Deus como pretexto para um projeto de poder – e do relativismo – considerar que todas as opiniões são igualmente verdadeiras. A involução do projeto político que chamamos União Européia hoje tem a ver com estes fatores.
O problema da Europa nasce do fato de que a relação entre razão e política se desviou substancialmente da própria noção de verdade. O acordo político, que justamente é apresentado como sentido da própria vida política, é concebido hoje como um fim em si mesmo.
Por isso, quis analisar as principais políticas da União Européia usando como fio condutor as instituições dos pais fundadores e a promoção da dignidade humana própria da experiência cristã. A situação de «impasse» que a Europa experimenta deve conduzir-nos a uma profunda reflexão.
Muito além da capacidade de conseguir um bom acordo sobre o orçamento, o velho continente está perdendo o próprio horizonte, a própria dimensão. Após a era Kohl, a Europa esteve dominada por políticos sem a audácia necessária para poder gerar futuro e sem a força para poder manter a fé na construção política criada há pouco mais de cinqüenta anos pelos pais fundadores. Uma geração de políticos que chegou a uma idéia de Europa, rejeitada pelos referendos francês e holandês, segundo a qual a integração cada vez mais intensa se converteu em um valor em si mesma.
–Actualmente, na União Européia se pratica um aborto a cada 25 segundos e a cada 30 segundos há uma separação familiar. Apesar da grave crise demográfica, no Parlamento Europeu parece prevalecer uma cultura que propõe formas de família alternativas à natural, matrimônios homossexuais, pílulas abortivas e eutanásia, enquanto os países como a Polônia, nos quais os abortos diminuem, são criticados. Não acredita que continuar com um modelo cultural malthusiano marcaria a decadência da Europa?
–Mauro: Sim, e há um perigo maior. A decadência de nosso continente é sobretudo o resultado de uma crise de nossa identidade européia como povo.
Neste sentido, creio que o recente discurso do Papa aos embaixadores acreditados ante a Santa Sé, no qual expressou sua esperança de que a moratória aprovada pela ONU sobre a pena de morte possa «estimular o debate público sobre o caráter sagrado da vida», constitui um ponto central do debate sobre a futura Europa.
Segundo minha experiência, considero que os cinco pontos nos quais está em jogo o futuro da Europa são a crise demográfica, a imigração, a ampliação, a estratégia de Lisboa e a política exterior. Pontos intimamente relacionados entre si por um denominador comum: a identidade da Europa. Sem ter clara sua identidade, a Europa não poderá dar nenhum passo adiante nesses cinco desafios.
Corremos o risco de que a resposta à crise demográfica seja puramente ideológica, privilegiando obras de engenharia social. A UE não pode ignorar o fato cultural na repercussão sobre os índices de fertilidade, ou seja, as convicções pessoais que sustentam a abertura à vida.
–Contudo, se saimos destas sedes da política de Bruxelas e Estrasburgo, parece que entre as novas gerações nasceu uma cultura optimista e pró-vida. Em Londres, houve uma manifestação contrária ao aborto. Em Madri, as famílias saíram às ruas em 30 de dezembro. Em 20 de janeiro, em Paris, houve uma manifestação europeia a favor da vida. Antes do Natal, em Estrasburgo, os movimentos pela vida europeus se reuniram e estão tentando recolher dez milhões de assinaturas para pedir ao Parlamento Europeu o reconhecimento da pessoa desde a concepção até a morte natural. Quatro décadas depois da revolução de 68, os tempos mudam? Você, o que pensa?
–Mauro: Há muitos anos, continuam difundindo-se, sobretudo pelos meios de comunicação mais potentes e persuasivos e por parte da maioria das formações políticas na Europa, idéias sobre a família que, no mínimo, são errôneas ou desviadas e não contribuem absolutamente para ajudar a sociedade civil, que não vem se tornando mais livre, mas vai se esvaziando de toda certeza sobre a própria vida.
Neste contexto alarmante, as manifestações e as iniciativas em defesa da vida e da família tradicional, que em toda a Europa encontram cada vez mais apoio, são um claro sinal de que há pessoas que ainda crêem, e que estão dispostas a lutar por ela, pelo respeito da dignidade e o caráter sagrado da vida humana; vida que desde a concepção se realiza plenamente através do nascimento, do crescimento, do matrimônio, da procriação e da morte natural.
O desafio, antes que político, é educativo e cultural, parte da concepção da vida e da pessoa que está em jogo e da honestidade intelectual com que se enfrenta isso. Ainda que haja posturas fortemente ideologizadas que resistem, está aumentando a abertura a uma confrontação a partir de elementos de racionalidade e não de reações de tipo emotivo.
E isso, no âmbito europeu, emerge tanto entre os políticos como na opinião pública. Apesar de algumas posturas fechadas a priori e enfocadas à contraposição ou à demonização do adversário, está surgindo uma disponibilidade nova para a confrontação, motivada por uma crescente sensibilidade para com a dignidade da vida, graças também aos resultados que a ciência proporciona.
Como declarou recentemente o presidente da Conferência Episcopal Italiana, cardeal Angelo Bagnasco, é necessário que as leis se adaptem ao estado do conhecimento, que muda com o tempo, especialmente no campo bioético, e por isso apresentei, junto a outros colegas, uma interrogação escrita à Comissão Europeia, com relação ao financiamento da pesquisa sobre células-tronco embrionárias, na qual pedimos que valorizassem, «à luz das recentes descobertas científicas feitas por cientistas japoneses, se é ainda necessário continuar dando fundos a projetos para a pesquisa sobre células-tronco que destroem embriões humanos».
In Zenit