(AESE, 29 de Maio de 2008)
0. Felicito a AESE por este programa “Empresas Mais Familiarmente Responsáveis (E+FR)” que segundo as palavras do Prof. Raul Diniz procura sensibilizar o mundo empresarial em “rega gota a gota” que é a mais adequadas para terras áridas.
Ora é sobre esta introdução do “regadio” na cultura familiar das empresas que me pediram para dizer umas palavras. Faço-o com gosto.
Ao longo desta minha intervenção procurarei sobretudo incidir sobre quatro pontos:
- A importância da família
- O desenvolvimento da cidadania empresarial
- As mudanças na natureza e nas formas do trabalho
- A conciliação dos tempos de vida na família e no trabalho
1. Sobre a família já tudo foi dito, escrito e proclamado. Por quem nela deposita o magistério da esperança, e também por quem dela desdenha, desconfia e até prognostica o seu obituário.
Não há político, sociólogo ou opinador que não nos pregue um bom “sermão” a propósito da família. Poder-se-á afirmar que a convergência verbal ou nominal está assegurada quanto ao papel desta instituição básica da sociedade, mas que, ao invés, a divergência real é visível entre o verbo e a vontade, entre o encómio e a convicção, entre as intenções declaradas e as acções encetadas.
Não há um dia em que a família não seja objecto de proclamação pelo mundo fora. Aliás, o mesmo acontece com a paz. No entanto, é da chamada crise da primeira e da ausência da segunda que a actualidade se alimenta freneticamente.
Mas sejamos claros: de entre todas as sociedades humanas, a família é a única natural. Natural, universal e intemporal. Nasceu com o Homem e existe antes do Estado.
O seu fundamento é antropológico. Não foi inventada cientificamente, não resulta de qualquer legado jurídico, não foi imposta por qualquer acto administrativo, não germinou fruto de uma qualquer ideologia, não é o resultado de meras circunstâncias ou contingências históricas.
A família não é de esquerda ou de direita, nem é politicamente apropriável, E também não é laica ou confessional. É antes o mais perene património da humanidade, um bem para todos e não um mal para alguns. A família radica na pessoa humana e não no reconhecimento do Estado. A família não é, portanto, para a sociedade e para o Estado, antes a sociedade e o Estado são para a família (Conselho Pontifício Justiça e Paz, 2004).
Por ser natural, confere o mais genuíno dos sentidos à nossa tripla condição de indivíduo irrepetível, de pessoa que exprime a dignidade e o respeito do ser humano, de cidadão portador de direitos e de deveres. Afinal a tripla condição em que também nos movemos na empresa…
2. A instituição familiar continua a ser a primeira e a mais decisiva infra-estrutura moral e referencial na conjugação de valores e de saberes e na transmissão de solidariedade na sua forma talvez menos elaborada, mas mais espontânea e genuína.
No entanto, muitas vezes a família é desconsiderada – e diga-se em abono da verdade – não apenas pela sociedade politicamente organizada – o Estado – e por outras sociedades, mas por famílias que tendem a demitir-se dos seus papéis vencidos pela pressa, pela angústia, pela indiferença, pela acomodação, pela resignação. Quantos filhos órfãos de pais vivos (palavras de S. S. João Paulo II), quantos filhos de pais a tempo cada mais parcial, quantos avós de netos distantes não sofrem a ausência da família? Quantas refeições se transformam em salas de espectáculo televisivo ou de catarse profissional? Quantas vidas não se transformaram em contra-relógios de circunstância?
E, todavia, na família, como afinal na vida e na empresa, sabemos que o importante não é dissolúvel no meramente urgente, avulso ou superficial, porque o importante na família nem sempre é urgente, raramente é avulso e jamais é superficial.
O sentido de família está sempre presente no nosso quotidiano como referência e valor. Assim é que dizermos que “não há nada melhor do que um bom conselho de família”, que desejamos ter um bom “médico de família”, que temos uma relação afectuosa com a expressão “abono de família”, que sempre desejamos ser um “bom pai de família”, que nos orgulhamos enquanto amigos de alguém de dizer que quase “fazemos parte da sua família”, que segredamos algo para “ficar em família”, que gostamos de uma qualquer empresa ou restaurante pelo seu “ambiente familiar”.
3. É certo que a família sofreu ao longo da história da humanidade várias vicissitudes. Detectáveis mesmo sem necessidade de sofisticação no diagnóstico. Hoje todos temos consciência das patologias relacionais, sociais, afectivas, económicas que, em muitos lares, trazem angústia, privação, dor, desalento, dissolução, e até violência.
Mas, a família como expressão natural da pessoa humana tem sabido, com mais ou menos obstáculos, conjugar três aspectos nucleares: evolução, plasticidade e unidade.
Sendo a família o barómetro social que melhor transmite a tensão e a transição dos tempos, o seu ideal e aspiração não mudaram na sua essência.
Em virtude da industrialização acelerada e da urbanização desregrada, a grande família entendida como unidade de integração e de sucessão no plano trigeracional, nuclearizou-se sendo substituída, gradualmente, pela “família conjugal” comportando no máximo duas gerações, e tornando-se até cada vez mais frequentes as situações de solidão de famílias constituídas por uma só pessoa. É neste enquadramento, aliás, que a ideia de EFR ganha maior acuidade.
4. Uma outra realidade iniludível a todos nos atinge, a administração do tempo jamais se fará do mesmo modo das gerações que nos antecederam. Combinam-se e alternam-se, com diferentes hierarquias de valor ou importância, não só tempos de trabalho e de família, como também tempos de lazer e de formação.
A concorrência, tantas vezes “desleal”, de outros meios institucionais ou informais de educação e de formação é, hoje, uma realidade. A família perdeu, definitivamente, o monopólio da formação dos seus membros, que detinha até há poucas décadas.
Na transmissão da informação, na difusão de valores e na expressão de comportamentos, a família reparte agora crescentemente o seu papel com a escola, a imprensa, a quase totalitária e invasiva presença dos meios audiovisuais, a net e outras redes de telecomunicações.
A perda relativa do peso da família na educação dos filhos pela presença de outros meios e agentes, exige um novo equilíbrio entre o tempo para o trabalho e a disponibilidade para a família com ganhos reais no comprometimento e participação dos Pais no desenvolvimento da tarefa educativa. A disponibilidade e a entrega não são apenas noções de carácter físico e temporal, mas sobretudo afectivo e mental. A família continua a ser a primeira e melhor instituição de sociabilização da criança e todos os agentes políticos, empresariais e sociais devem facilitar esta nova partilha de tempos.
5. Mais do que outro qualquer factor, o trabalho constituirá, sempre, o fundamento sobre o qual a vida familiar se constrói e se consolida. A estabilidade das famílias depende directa e fundamentalmente da capacidade de, através do trabalho, serem angariados os recursos indispensáveis à sua sobrevivência e desenvolvimento.
Como disse João Paulo II na Laborem Exercens, "a família é ao mesmo tempo, uma comunidade tornada possível pelo trabalho e a primeira escola interna de trabalho para todos e cada um dos homens”.
A procura e a conquista do trabalho são, em si mesmos, valores activos que conduzem à dignificação da pessoa humana no quadro da família e à expressão da qualidade criadora subjectiva e inalienável de toda a pessoa.
A luta contra o desemprego assume, neste contexto, uma relevância acentuada na defesa da família como célula base de qualquer comunidade.
O desemprego é não só uma doença económica e social, mas também familiar e, apesar do aperfeiçoamento dos sistemas de segurança social no que concerne às prestações substitutivas dos rendimentos de trabalho perdidos, encerra em si mesmo uma estigmática lógica de insucesso individual, de consequências potencialmente negativas quer do ponto de vista psicológico, quer de estabilidade familiar.
Por outras palavras: sem tempo para o trabalho estará seriamente comprometido o tempo para a família.
6. Continuando a falar de trabalho e de família, não se pode deixar de falar do tempo de descanso, que não é um valor marginal em relação ao trabalho. O trabalho e o descanso contribuem, em alternância, para a realização da pessoa. Separá-los é, pois, um erro que se paga mais à frente. Como está escrito, o trabalho é para o homem, não o homem para o trabalho.
O descanso e as férias não são incompatíveis com o código ético do trabalho. Não o contradizem, não o menorizam, nem mesmo beliscam o profissionalismo, o sentimento do dever cumprido, a exemplaridade laboral, o próprio prazer no trabalho.
Se ter trabalho é um factor de esperança, ter tempo é um factor de harmonia.
O descanso e as férias têm que ser exigidas e, ao mesmo tempo, merecidas porque o direito ao repouso nasce da realização conjunta do direito ao trabalho e do dever de trabalhar.
O descanso e as férias, sendo uma oportunidade de recarga pessoal, são também um espaço de reencontro familiar. Por isso, devem ser um tempo pela família (e com a família) e não um factor de desagregação contra a família. Por detrás do trabalho de cada um, está uma família à espera!
7. Os factores demográficos, por sua vez, têm vindo a provocar consequências determinantes que se podem caracterizar, entre outros, pelos seguintes indicadores:
- Acentuado declínio do crescimento natural desde a década de 70 do século passado. Esta tendência é explicada substancialmente, pela rápida queda da fecundidade. Assim, a taxa de fertilidade (número médio de crianças por mulher) atingiu nos últimos anos o valor de 1,36 crianças/mulher contra 3,1 em 1960. O nível actual é manifestamente inferior ao necessário para assegurar a substituição das gerações que é de 2,1 filhos por mulher. Da Europa dos 25 passámos em 30 anos do 4º país com taxa de fertilidade para 12º lugar.
- Outro aspecto importante é o retardamento do nascimento do 1º filho, que em 1980 era aos 23,6 anos de idade da mãe e agora é aos 28,1 anos.
- Em 2007 terão nascido em Portugal cerca de 103.000 bebés. Trata-se do número mais baixo desde 1935, ano a partir do qual há estatísticas oficiais sobre a matéria. Estima-se que o défice de nascimentos ronde os 55.000 por ano. Em 1960 houve 213.895 nado-vivos e em 1980 houve 158.352.
- O impacto da queda de fecundidade tem sido atenuado, no entanto, pela diminuição da taxa de mortalidade infantil, de 77 por mil em 1960 para 3,5 por mil agora.
- A esperança média de vida à nascença que em 1930 era de 44,8 anos para o homem e de 49,2 anos para a mulher é agora de 75,2 e 81,8 respectivamente para o homem e para a mulher, o que significa que a EMV aumentou nos últimos 70 anos cerca de 5 meses por cada ano de calendário!
- O aumento da esperança média de vida implica que teremos um maior número de famílias em que 4 gerações estarão vivas ao mesmo tempo, o que significará, mais frequentemente, pessoas de 60 anos a ocuparem-se dos seus progenitores de 80 e mais anos.
- Mas, ao mesmo tempo, a dimensão média das famílias portuguesas tem vindo a diminuir drasticamente, de tal modo que hoje 42,8% não têm filhos e só 4,9% têm três ou mais filhos.
- O declínio da natalidade associado a um aumento da esperança de vida tem vindo a provocar um maior grau de envelhecimento e um aumento da taxa de dependência dos idosos. Em 1990 havia em Portugal 64 pessoas com mais de 65 anos por cada 100 jovens com menos de 15 anos, mas em 2006 (apenas 15 anos depois!) há 112 idosos por cada 100 menores e estima-se que em 2050 se atingirá o valor, de consequências difíceis de imaginar, de cerca de mais de 200 velhos por cada 100 jovens…
8. Perante este complexo cenário, devemos estar conscientes das dificuldades para a família se impor como pedra angular dos programas sociais do futuro. Os obstáculos são muitos e múltiplos.
Numa democracia por vezes de contornos neo-corporativistas, a família – todos o sabemos – não é um lobi, logo está em desvantagem e tem dificuldade no acesso aos centros de poder. Na política de hipertrofia de meios materiais e de obsessão de resultados concretos, a família é quase sempre sacrificada. No Estado muito compartimentado, a família é perspectivada fundamentalmente como sujeito pagador de impostos. Na sociedade de “marketing”, a família torna-se cada vez mais e apenas um centro consumidor. No imperialismo do espectáculo mediático, o sucesso da família não é notícia, mas apenas o seu fracasso. Na sociedade mais individualista, a família tende a fragmentar-se. Na sociedade mais relativista e minimal, a família perde referências estabilizadoras. Na sociedade mais hedonista, a família é vista até como um obstáculo.
No fundo, a família está entre dois pólos, também chamados de reivindicações da modernidade: o individualismo e o Estado. Subjugada ao poder burocrático, ao mercado, ao consumismo.
Não há solidariedade nacional sem solidariedade social. Não há solidariedade social sem solidariedade geracional. Não há solidariedade geracional sem solidariedade familiar. E na empresa por onde passam várias gerações, vários estratos sociais e muitas famílias, deve haver também lugar a esta ideia de solidariedade.
A família preenche uma enorme quantidade de funções sociais e educativas que nenhum Estado e nenhuma administração colectiva podem “nacionalizar”, e nenhum “mercado” se pode apropriar.
9. É, pois, desejável que, nos próximos decénios, se possa assistir ao reajustamento das políticas social e redistributiva quer a nível macro-político, quer a nível local e empresarial, que tenham não só em maior atenção os encargos familiares, como favoreçam a prevenção de disfunções de natureza familiar, contribuindo para a unidade e estabilidade familiares e estimulem a função da empresa amiga da família.
Tudo isto exige que se afirmem em plenitude:
- O princípio da subsidiariedade pelo qual não se deve deixar a uma organização social superior, maxime o Estado, o que uma sociedade mais elementar (no mínimo a família e a pessoa humana) melhor pode fazer.
- Os valores do voluntariado, da solicitude, da disponibilidade e da participação bases de toda a atitude criativa e espontânea de solidariedade não intermediada, amiga, desinteressada, mais conforme à natureza do Homem.
O princípio da subsidiariedade, visto no plano familiar, é um princípio de liberdade, de iniciativa, de responsabilidade e de harmoniosa hierarquia e subordinação de valores (o ser antes de o ter, a dimensão espiritual e imaterial antes da dimensão física e instintiva, a convivência antes do isolamento, a família antes da cidade e do Estado. Não se limita, pois, a ser um simples princípio de repartição de competências.
Como tal, a família deve ser perspectivada e respeitada como a mais genuína micro instância de segurança social, de escola, de local de trabalho, de centro de saúde, de julgado de paz, de associação voluntária de socorros mútuos.
10. O Estado e as organizações da sociedade nas quais se incluem as empresas devem estimular e apoiar (e não sufocar) o exercício da “magistratura social” das famílias. No plano social é primordial que a suplência das sociedades superiores se afirme com eficácia e austeridade institucional. Nem um posicionamento minimal, nem um posicionamento plenipotenciário, castrador da família.
Neste contexto e no preciso respeito pelo princípio da subsidiariedade, as políticas públicas e a acção responsável das empresas devem criar condições que:
- Protejam e não discriminem a maternidade e paternidade como valores humanos e sociais inalienáveis, não apenas biológicos mas sobretudo educativos e relacionais;
- Reconheçam a insubstituível função dos pais na educação dos filhos;
- Ajudem a consolidar a função da Família, enquanto transmissora de valores e veículo de estreitamento das relações entre gerações;
- Favoreçam, no âmbito das políticas laboral e social, condições para a igualdade do homem e da mulher na partilha das responsabilidades familiares;
- Estimulem ou ajudem o voluntariado e as redes primárias de solidariedade como estruturas importantes de apoio à Família;
- Aceitem e fortaleçam o associativismo familiar e a voz das famílias na vida social económica e cultural, deixando de constituir os parceiros silenciosos das políticas sociais.
- Contribuam para dissipar o eclipse dos mais velhos e dos avós na partilha solidária de tempos e de responsabilidades.
- Evitem o efeito guilhotina da passagem abrupta e, às vezes, extemporânea da actividade para a fase de reforma
11. Falando de empresas, importa aqui relevar o papel crescentemente indispensável da sua responsabilidade no plano ético, familiar e social.
Na pós-revolução Industrial e até há relativamente pouco tempo, a empresa era vista, fundamentalmente, como uma realidade ou um sistema de natureza material e física ou corpórea, um referencial de técnicas produtivas e operativas.
A grande alteração - quase me apetece dizer, a grande “descoberta” – que entretanto se evidenciou, relaciona-se com a crescente tendência para ver a empresa, também e sobretudo, como uma comunidade de pessoas. Afinal, tarde mas a horas, “descobre-se” que são as pessoas (e não os inadequada e instrumentalmente designados “recursos humanos”) que constituem o principal suporte e património de qualquer organização; são as pessoas que garantem o sucesso ou explicam o fracasso das empresas e das suas estratégias. Logo, tudo o que seja centrar nas pessoas a estratégia das empresas é, hoje em dia, a chave do futuro e é, por aqui, que melhor vislumbramos as crescentes responsabilidades sociais da empresa.
Afirmando a centralidade das pessoas, a empresa corporiza-se como uma entidade ética e um activo social. Desde logo, sendo ou devendo ser, em primeiro lugar, o maior denominador comum dos diferentes e legítimos interesses dos accionistas, dos trabalhadores, dos clientes, do Estado, da sociedade em geral. Mas devendo ser, também, uma referência de valor na e para a sociedade, um centro de responsabilidade social. Responsabilidade social para fora e responsabilidade social para dentro, protegendo determinado tipo de riscos, sociais, familiares, individuais, para todos quantos dão a sua contribuição para o produto final de uma empresa. Por outro lado, a empresa tem de ser um espaço de realização nas suas três componentes: pessoal, cívica e profissional.
12. Por sua vez, o conceito de trabalho vem mudando radicalmente. A geografia dos empregos alterou-se a uma velocidade geométrica e assume hoje contornos mais voláteis. Novas funções emergem nas empresas e empregos relacionados com novas exigências civilizacionais, como a segurança, o bem-estar, os tempos livres, a cultura, o apoio social e tantas outras que surgem por todo o lado, ao mesmo tempo que outras actividades desaparecem ou se tornam obsoletas.
É também notória a transformação da sociedade salarial oriunda de uma visão estritamente obreirista em direcção a uma sociedade activa menos normativa e menos rígida onde emergem novas formas de produção e transformação da organização. Do teletrabalho ao trabalho no domicílio, da exploração das formas "electrónicas" de prestação de trabalho a formas ocupacionais de serviços sociais, do desenvolvimento consistente do trabalho a tempo parcial à conciliação entre o "part-time" e a reforma parcial, deparam-se-nos novos cenários no mundo das empresas e do trabalho cujas consequências ainda não são, de todo, visíveis mas que, por certo, conduzirão a uma noção mais incorpórea e menos física de empresa afirmando-se, sobretudo, como comunidade de pessoas e de valores. E vivem-se – goste-se ou não – os desafios da adaptabilidade, mobilidade, maior elasticidade formação / trabalho e torna-se cada vez mais imperativa, em nome do progresso, a ética do mérito, do esforço e da equidade,
Tudo isto impõe uma alteração na ética de “stakeholders” (entre os quais destacaria no âmbito deste tema as família dos trabalhadores) e no conceito de “accountability” e capacidade social da empresa. Já não chega a adopção das responsabilidades exigidas pela sociedade (as económicas e legais). É preciso aprofundar as responsabilidades humanas, sociais e éticas ainda não exigidas normativa ou estatutariamente mas cada vez mais esperadas ou desejadas pela sociedade e diferenciadoras no mercado.
13. Ainda a este nível, permitam-me reforçar as virtuosas exigências do desenvolvimento de funções sociais nas empresas, para além da prestação do trabalho. Em primeiro lugar, as que têm que ver com a imperativa necessidade de melhor conciliar as responsabilidades profissionais, com as exigências familiares e educativas dos filhos. Isto, ainda é, sobretudo para as mulheres, um factor restritivo do pleno desenvolvimento nos mercados de trabalho. Todas as políticas públicas ou empresariais que reforcem a necessidade de melhor coabitação entre família, trabalho, educação dos filhos e lazer são absolutamente necessárias num mundo que se quer constituído com qualidade e com gerações actuais e vindouras equilibradas e com sentido de futuro.
É tempo de se reconhecerem e fortalecerem as práticas de apoio familiar, seja a nível de mecanismos de flexibilidade não perspectivados unilateralmente, de apoios e de equipamentos sociais (por exemplo, creches e infantários) junto dos locais de trabalho dos pais ou das mães. É tempo de se afirmar a sua concretização como humanamente substantivas e não, de uma maneira demasiado produtivista, como meramente instrumentais ou acessórias.
14. Voltando à família: não há desenvolvimento verdadeiramente humano e qualidade de vida humanizada sem qualidade de família. Nem é possível e desejável construir e desenvolver uma “sociedade de bem-estar” radicada num certo “mal-estar das famílias”.
Por isso a aliança família – empresa é uma atitude positiva e desenvolvimentista. O progresso da humanidade passará sempre pela família e pela empresa. Todas as outras soluções que as minimizem sempre estiveram condenadas ao fracasso ou ao efémero.
Na família – essa unidade feita da diversidade que não pode ser reduzida a uma mera expressão associativa de coabitação, a uma comunidade de interesses circunstanciais – não há concorrência. Cada pessoa vale pelo que é e não pelo que tem. Na família todos dependemos de todos. Não somos invulneráveis, nem perfeitos, mas imperfeitos e dependentes. Na família ninguém é mais pessoa, mas todos podem ser melhores pessoas.
15. Como há pouco referi, é preciso que a família não se deixe iludir pelos seus adversários que umas vezes estão mais à luz do dia, outras vezes mais larvares ou encobertos mas nem por isso menos dissolventes e que são, no meu entender, e entre outros, os seguintes:
No plano ético: o relativismo e o minimalismo
No plano comportamental: a indiferença e o conformismo
No plano espiritual: o positivismo hedonista e a cultura da satisfação
No plano geracional: o egoísmo e a desconsideração
No plano social: o individualismo e a predação sem regras
No plano económico: o utilitarismo e o endeusamento (do mercado ou do Estado)
No plano político: a miopia do longo prazo e o “culto mediático”
16. Já vou longo e certamente fastidioso. Termino, pois, lembrando metaforicamente uma frase que um dia li: “o Titanic afundou-se, embora feito por profissionais. A Arca de Noé salvou-se porque foi feita por amadores”. Eis uma boa imagem do que julgo ser o futuro da família e todo o seu património de conjugalidade afectiva, coesão geracional, educação do carácter e de valores, partilha sem limites. E do que creio ser a necessária complementaridade entre a família de amadores, que amam e de profissionais que produzem!
Em matéria familiar tenho todo o respeito pelas normas, mas acredito mais nos valores.
Valorizo os recursos, mas elejo o exemplo. Escuto as opiniões mas não as confundo com princípios. Admiro o êxito individual, mas sou mais sensível à riqueza familiar.
Por outro lado, as decisões do quotidiano das empresas não são fáceis, estando quase sempre sujeitas a condicionalismos e a restrições que implicam soluções de segunda ordem (second bests), não soluções certamente ideais mas as que melhor realizam o compromisso entre equidade, rendibilidade, eficiência e harmonia interna. Tudo isto só pode ser feito com valores e códigos de conduta que dêem alma, substância, espírito de corpo e cultura às organizações. E neste âmbito a empresa familiarmente responsável é a empresa do futuro e de esperança. E a família é e será indelevelmente um tema de futuro, de progresso e de esperança.
Enfim, como escreveu Yves Bonnet: “Família, Escola, Empresa: afinal e sempre o mesmo combate!”
António Bagão Félix
Maio de 2008
(reprodução do texto publicado no Infovitae)