Os mais recentes dados do INE mostram que estamos a entrar num "Inverno demográfico" tão grave que até pode pôr em causa a eficácia do chamado "factor de sustentabilidade" do sistema público de segurança social
A idade média da população continuará a subir linearmente cerca de um ano em cada cinco anos. Esta é uma das conclusões de um estudo que a Associação Portuguesa de Famílias Numerosas (APFN) preparou para o seminário Inverno demográfico: o problema. Que respostas?
Depois da divulgação, a semana passada, pelo Instituto Nacional de Estatística dos mais recentes indicadores sobre a evolução da demografia é bem possível que este cenário assustador seja verdadeiro. Dia 27, quando for divulgado na Assembleia da República, teremos mais elementos.
Seja lá como for esta evolução, a confirmar-se, pode só por si abalar todo o edifício em que assenta a sustentabilidade da nossa Segurança Social, apesar da recente reforma que ainda no sábado o primeiro-ministro declarou ser a mais importante dos últimos 25 anos.
Na verdade o problema demográfico português tem diferentes componentes, e nem todas elas representam, à partida, más notícias. Por exemplo: a esperança média de vida à nascença está a aumentar. Entre 1996 e 2007 passou de 75,3 para 78,4 anos. Parece dar uma média de mais um ano por cada quatro que passam, só que isso é enganador, pois o ritmo de crescimento baixou nos últimos anos. Em contrapartida os portugueses têm cada vez menos filhos: após uma aparente alteração de tendência na segunda metade dos anos 90, a partir de 2000 todos os anos nascem menos crianças em Portugal.
A conjugação destes dois factores reflecte-se no chamado "índice de envelhecimento", que traduz a relação entre o número dos que têm menos de 15 anos e os que têm mais de 65 anos. Em 1996, por cada 100 crianças e jovens com menos de 15 anos, havia em Portugal 89,2 idosos com mais de 65 anos. Em 2007 esse número saltara para 113,6.
O que é que isto significa? Que, se contarmos apenas com a população residente em Portugal, e mesmo incluindo os fluxos migratórios registados nestes 12 anos, o número dos que vão entrar no mercado de trabalho é cada vez menor e o dos que estão a sair dele é cada vez maior. A consequência imediata desse facto é que haverá menos portugueses a trabalhar e a descontar para um sistema de segurança social que terá de sustentar um número cada vez maior de pensionistas.
Para evitar que esta evolução se traduzisse na falência a curto prazo do sistema de segurança social ocorreram, nos últimos sete anos, três reformas da Segurança Social. Todas se caracterizaram por manter o essencial, senão a totalidade do sistema nas mãos do Estado e por diminuírem as remunerações dos futuros pensionistas modificando a fórmula de cálculo num sentido que só pode ser considerado realista e correcto, se bem que muitos portugueses possam ter razões de queixa pois não lhes foi dada a hipótese de, querendo, terem o direito de optar sobre o regime de reforma que prefeririam.
A última reforma, feita já por este Governo, introduziu uma novidade que tem sido apresentada como uma espécie de "ovo de Colombo": em vez de se estabelecer uma idade fixa para a reforma, o limiar mínimo a que se tem direito a essa prestação passará a ser influenciado pela evolução da esperança de vida. Ao mesmo tempo, os que trabalharem mais anos terão bonificações, pois pressupõe-se que, depois, receberão menores contribuições do regime público.
O problema é que os dados mais recentes relativos à evolução demográfica do país indicam que o problema não está no número de anos que os portugueses sobrevivem, em média, para lá da idade formal da reforma, mas no equilíbrio entre o número dos que trabalham e descontam e o número dos que recebem. Se o estudo da APFN estiver correcto, em 2040, mesmo não se agravando as actuais tendências, haverá sensivelmente dois portugueses na chamada "idade activa" (15-64 anos) para cada idoso. Se considerarmos que nem todos os que estão na idade activa estão a trabalhar e a descontar (isso acontecerá com cerca de dois em cada três, pois nem sempre todos os elementos do agregado familiar trabalham e, sobretudo, entre os 15 anos e a efectiva entrada no mercado de trabalho decorre cada vez mais tempo), é possível que nessa altura a relação seja de um trabalhador para um pensionista.
Mesmo estando erradas estas projecções, mesmo vindo Portugal a acolher muitos emigrantes para suprir o "défice" de portugueses realmente "activos", a verdade é que mesmo as contas desta reforma podem sair furadas, como saíram as das anteriores. Por prudência, ninguém devia lançar tantos foguetes tão cedo, como tem vindo a ser feito.
P.S. - Sem querer reabrir a discussão sobre todas as fórmulas adoptadas na reforma da segurança social e a sua comparação com as propostas do PSD, o discurso do primeiro-ministro em Guimarães sobre as virtudes da segurança social pública e os males dos sistemas privados foi demagógico e desonesto. E basta indicar um ponto que faz cair pela base toda a sua retórica: apesar de José Sócrates se ter insurgido contra os fundos de pensões privados, o sistema público se segurança social possui também um fundo de capitalização que faz exactamente o mesmo que os fundos privados. Isto é, joga nas bolsas. Se Sócrates quisesse ser coerente com o que disse, ordenaria a imediata liquidação desse fundo, coisa que rapidamente Vieira da Silva lhe explicaria que não pode nem deve fazer. Mas é provável que, também nesse domínio, a coerência o preocupe menos que uma boa tirada num comício.