Foi ontem lançada em Lisboa a lista de mandatários da proposta de Referendo Nacional da Plataforma Cidadania e Casamento. É simplesmente lamentável a tentativa de "aborto" que o poder parlamentar nesse mesmo dia inaugurou, conforme se lê no JN, 16.11.09, pág. 16:
«No programa eleitoral, o PS prometia o casamento entre pessoas do mesmo sexo, sem falar de adopção, e para que essa alteração seja lei, os socialistas rejeitam a realização de um referendo. Neste contexto, é previsível que a petição para auscultação popular, que está a circular para recolha de assinaturas, seja rejeitada pela maioria parlamentar. Como lembram os socialistas, a petição que vier a surgir não é imperativa, o que significa que terá de ser discutida e votada na Assembleia da República. Apesar de serem conhecidas divergências internas, PS e PSD assumem-se contra o referendo, tal como a oposição de esquerda.»
Eis, portanto, verbalizada a resposta anunciada à iniciativa dos cidadãos junto do Parlamento. E eis também uma razão mais para se apostar também na outra linha de acção local, dirigida directamente aos nossos autarcas, ao poder mais próximo - e sensível - ao povo.
A respeito do pseudo-argumento de legitimação da iniciativa do governo por via do programa eleitoral do PS, merece leitura atenta e aplauso o raciocínio do Prof. César das Neves:
« Em Julho de 1999, o presidente Jorge Sampaio vetou a "lei da procriação medicamente assistida", referindo como razão o insuficiente debate público. Quando o Presidente Cavaco Silva promulgou a lei revista (Lei n.º 32/2006, de 26 de Julho) teve de enviar uma mensagem à Assembleia, manifestando o seu desconforto. Depois, o Governo decidiu banalizar o divórcio e Cavaco Silva foi obrigado a devolver o diploma sem promulgação em Agosto de 2008 com graves críticas à irresponsabilidade do articulado. Acabou por promulgar a Lei n.º 61/2008 de 31 de Outubro, reiterando as críticas em mensagem de 20 de Outubro. Em Agosto deste ano, o Presidente não promulgou a lei das uniões de facto (Decreto 349/X), aprovada a correr no final da legislatura, citando mais uma vez "a ausência de um debate aprofundado" (Mensagem de 24 de Agosto). Como se vê, o Governo e os seus correligionários precisam mesmo de lições de democracia.
Dada a vergonha desta história, é claro que agora, na questão estrutural da definição do casamento, nunca admitirão um referendo, sabendo que vão perder. Só o fariam se tivessem uma coisa de que mostram carecer: vergonha. A recusa baseia-se num argumento sumamente desonesto: o facto de a proposta do casamento entre pessoas do mesmo sexo figurar nos programas eleitorais. Quem o diz sabe bem a enormidade do que afirma. Os programas não são menus, em que se possa escolher o que se gosta e rejeitar o resto. Os votos numa lista nada informam sobre a opinião em rubricas concretas. O mais elementar bom-senso e respeito democrático recomendariam uma ponderação cuidada na mudança de uma lei tão fundamental. Mas bom-senso e respeito democrático foi o que mostraram não ter neste tema há décadas.
Diário de Notícias 2009.11.16, João César das Neves, excerto