No oitavo ano do terceiro milénio, e no seguimento dos sete anteriores, vamos chamar a atenção dos peregrinos para o oitavo mandamento da lei de Deus: «Não levantarás falso testemunho» (Êx 20,16).
Testemunho é a palavra pela qual alguém afirma o seu conhecimento de uma coisa ou de um acontecimento.
Há duas condições para que o testemunho seja válido. Primeiro que o testemunho seja veraz: que diga com exactidão a ideia, o pensamento, a convicção, que a testemunha tem na sua consciência – na cabeça, na mente, no coração. Depois, que essa ideia seja também verdadeira. Assim há a veracidade do testemunho e a verdade da ideia que ele transmite.
E o que é a verdade de uma ideia? Grande pergunta, que até Pilatos fez a Jesus: «O que é a verdade?
Esta é a interrogação mais fundamental do ser humano. Ninguém consegue viver sem conhecer e nem conhece nada a não ser pelas ideias. Pelas ideias é que chegamos às coisas, onde se encontra a beleza e o bem, ou seja, a vida. Mas é preciso que as ideias sejam verdadeiras. As ideias e os testemunhos.
Está aqui a cruz e a dignidade dos juízes: chegar à verdade através do testemunho, tantas vezes contraditório, das testemunhas. O testemunho é assim uma necessidade básica da vida. Que temos evidentemente de saber governar: alguém percebe que num processo como o da Casa Pia tenham de ser ouvidas novecentas (900!) testemunhas? Será a verdade assim tão inacessível?
Que não podemos passar sem o testemunho dos outros é patente em tudo o que se passa fora do nosso alcance: nas fábricas, laboratórios, campos, estradas, reuniões, cozinhas, parlamentos. Aí são produzidas as coisas de que nos servimos diariamente, na alimentação, estudos, saúde, viagens, negócios. S. Agostinho confessa que se sentiu mais aberto ao testemunho das Sagradas Escrituras, quando se deu conta de como a nossa vida está dependente da confiança nos outros. Alguma criança conseguiria crescer se não «acreditasse» nos adultos?
No rigor original do termo, o testemunho tem por objecto uma realidade que a pessoa conheceu por contacto dos sentidos, que é o mais fiável. Assim, dizemos que os Apóstolos foram testemunhas da ressurreição de Jesus, pois não só O viram, como O ouviram, e tocaram, e até comeram com Ele, depois da sua morte. Em sentido semelhante, embora mais pobre, os três Pastorinhos são as únicas testemunhas das aparições de Fátima.
Mas pode dar-se testemunho também de uma verdade ou realidade meramente interna, como é o amor para com alguém, ou a fé e os sentimentos religiosos. O que Deus nos manda neste oitavo mandamento é que sejamos verazes, ou sinceros, nos nossos testemunhos. Ele proíbe-nos de mentir: «Não levantarás falso testemunho».
Acontece com frequência termos vontade de mentir: porque não conseguimos de outro modo contrariar a curiosidade alheia, legítima ou ilegítima; porque não nos convém reconhecer o mal que fizemos; porque queremos fazer mal ao nosso próximo com um falso testemunho, a calúnia; ou até porque desejamos parecer melhores do que somos e então simulamos o bem que não fazemos para dissimular ou ocultar o mal que fazemos: assim acontece a hipocrisia.
Jesus disse a propósito da verdade algumas frases de uma beleza sublime: «Eu sou a verdade … Vim ao mundo para dar testemunho da verdade … Todo aquele que é da verdade escuta a minha voz.» Só Deus podia dizer uma coisa destas. Por isso Pedro, com inspiração do Alto, pode dizer com verdade: «Tu tens palavras de vida eterna». Ou seja, palavras de pura verdade.
A Mãe de Lúcia repetia-lhe com veemência: «O que eu quero é que tu digas a verdade!»
Este ano 2008 vai ser um ano dedicado à verdade: no pensamento, nas palavras e nas acções. Viver na verdade!
P. Luciano Guerra*
----------------------------------
* Reitor do Santuário de Fátima; artigo publicado na edição de 13 de Fevereiro de 2008 da “Voz da Fátima” sobre o tema de reflexão proposta para o ano 2008.