INTRODUÇÃO
Vou falar-vos da família humana.
É muito antiga a família humana, a sua origem perde-se na história dos tempos.
Quando a inteligência humana começava a decifrar o sentido do mundo natural à sua volta, quando, neste alvorecer da autoconsciência, os seres humanos se descobriam a si próprios, como próprios, e identificavam o outro como um absolutamente outro, aberto a uma relação, tiveram os humanos duas iluminações fulgurantes e primordiais.
Primeira revelação, iluminadora: estavam no mundo natural, mas não eram obra da natureza, eram criaturas com origem numa transcendência. Na conceptualização da tradição hebraica, primeiro oral, transmitida de geração em geração, depois escrita nesse maravilhoso Livro que é o GENESIS, a transcendência é Iavé, é aquele que é em si próprio e por si próprio.
Segunda revelação, esta estruturante da vida em comum: a ligação corporal de homem e mulher, não é um banal acto instintivo, como o dos outros animais, mas é uma relação de corpos individualizados como pessoas.
O GENESIS é aqui muito claro: Deus criou o homem à Sua imagem, criou-o à imagem de Deus; ele os criou homem e mulher.”O eminente biblista português António Couto, recentemente elevado à dignidade episcopal, diz que serem imagem e semelhança de Deus é terem sido criados homem e mulher, portanto com capacidade criadora, como Deus é criador.
É esta relação entre homem e mulher, a um tempo corporal e pessoal, que constitui a verdadeira essência da Família Humana.
É esta relação corporal e espiritual, entre um homem e uma mulher que transforma a Família Humana na mais grandiosa e perfeita estrutura na qual assenta a sobrevivência biológica da espécie e na qual se realiza, em toda a sua plenitude, a natureza espiritual dos seres humanos.
É na estrutura da Família Humana que a delicada e ainda misteriosa síntese entre corpo e espírito, esta unidade substancial que cada um de nós é, se realiza plenamente.
Porque a família humana não é feita com corpos sem vida espiritual, nem com espíritos a existirem desincarnados.
É feita com seres humanos que são unidades substantivas de corpo e de espírito. Corpo e espírito que ambos são obra amorosa de Deus Criador.
1 - Evolução temporal da estrutura familiar
De uma forma sucinta vou expor-vos como a família terá evoluído, no tempo, até se tornar num grande valor para as pessoas e para as sociedades.
A investigação antropológica, que procura encontrar os vestígios do processo evolutivo da hominização, admite que durante milénios a ligação macho/fêmea nos hominídeos era puramente instintiva e corporal e estava ordenada pela lei geral de todos os animais, nos quais há uma forma corporal masculina e outra feminina, que é a lei da sobrevivência da espécie.
A esta conclusão, fria e eticamente neutra dos antropologistas, contraponho a Fé bíblica num acto constantemente criador da vida, no qual está incluída a reprodução pela união dos corpos, pois esta união, sendo geradora de filhos, é a garantia da perenidade da vida desejada por Iavé. Por isto, Iavé olhando para a vida criada e sustentada considerou que tudo estava bem. Este juízo de Iavé sobre a vida criada e mantida é actual. Tem 7ª 8 mil milhões de anos, mas continua a ser proferido hoje em relação a todas as formas corporais de todas as espécies, nas quais e pelas quais, a vida se manifesta no mundo.
Os cientistas regozijaram-se recentemente por terem descodificado a grande molécula de ADN que constitui o genoma de animais e plantas. Mas essa estrutura chamada, agora, de molécula da vida, não é de hoje, nem foi inventada por Watson e Crick há pouco mais de 50 anos. Não; há milhares de milhões de anos que ela, a molécula de ADN, cumpre com um impressionante cuidado químico, a missão de conservar e transmitir a vida, usando as mais diversas e eficazes vias formais – às quais chamamos espécies – para o conseguir.
Na minha postura pessoal de criacionista supra-darwiniano, não tenho receio de afirmar que esta molécula é um instrumento para a execução do acto criador geral de Iavé.
Temos assim que, no mundo natural, machos e fêmeas geram filhos no cumprimento de uma actividade biológica instintiva, ordenada para a manutenção das espécies às quais pertencem.
Assim o terão feito os membros da espécie Homo durante milénios.
Mas o que é que aconteceu para que nesta espécie Homo se cumprisse um outro programa que alterou radicalmente a relação macho/fêmea?
Aconteceu algo de absolutamente singular que nenhuma neuro-ciência pôde, até hoje, explicar na sua génese e na sua natureza.
Nesses homens e mulheres que viviam e sobreviviam nas inóspitas savanas – talvez na África Oriental com uma primeira migração para o Médio-Oriente – emergiu uma propriedade nova : eles passaram a reconhecer-se uns aos outros, descobriram a individualidade de cada corpo, vivo ou morto, e, finalmente, individualizaram-se a si próprios para si próprios. O auto-reconhecimento foi o esboço da nossa rica auto-consciência actual. O hetero-reconhecimento, o reconhecimento do outro como um absolutamente outro é a origem da família, é a origem desta estrutura exclusivamente humana, onde se realiza a forma particular de ser e de estar dos humanos no mundo.
A emergência da estrutura familiar a partir de bandos de seres já humanos mas ainda poligâmicos e poliândricos foi, ou deverá ter sido, contemporânea da invenção, pelos humanos, da palavra oral; e tenho dito e escrito que a primeira de todas as palavras, como instrumentos significativos, foi a palavra que representa a individualização, ou seja, o monossílabo gutural eu. Este som gutural, esta sílaba vocálica que em todas as línguas faladas representa cada um a si próprio e aos outros, transforma-se em palavra quando adquire a qualidade de um símbolo representativo e significante.
Quando cada um de nós emite este som apenas vocálico, eu, está a identificar-se a si próprio e a apresentar-se aos outros. É Pessoa e fala na primeira pessoa.
Pois bem só podemos falar de família como estrutura humana quando já há esta identificação individual e quando a união sexual não é feita apenas como união de corpos, mas como união de dois eus auto-identificados.
Cada eu vai começar por aprender muito acerca de si próprio e analisar progressivamente o que faz e o que decide fazer, porque agora já não é apenas um ser humano com capacidades cognitivas, sensitivas e sensoriais, mas um ser dotado de auto-consciência, um eu auto-consciente.
É este eu auto-consciente que vai interrogar-se sobre a sua origem e o seu destino, que vai inventar a esperança na imortalidade, preparando ritualmente os corpos mortos para a ressurreição futura, que vai intuir a realidade da existência de um Ser Supremo, transcendente, que existe por si próprio e em si próprio e não pode ser conhecido nem nomeado.
E é o eu auto-consciente, de homem e de mulher, quem vai instituir a família como estrutura para a relação eu/outro eu, na verdade, eu/tu.
Relação corporal progenitora e fecunda, sem dúvida; mas igualmente relação entre eus auto-conscientes ao nível representativo e, portanto, identificável por meio de uma palavra. A palavra que usamos, hoje, para caracterizar, tanto o conceito abstracto, como a instituição, é a palavra Família. Esta relação institui uma família.
Claude Lévi-Strauss, o grande antropologista, que viveu alguns anos com, e como, os índios Nambikwara, na Amazónia, faz uma emocionada descrição da estrutura familiar deste povo muito primitivo, mostrando bem como a relação dos corpos, deitados por terra, ao cair da noite, se transforma, e cito, na “expressão mais comovedora e mais verídica da ternura humana”.
De facto, a família, como um constructo das sociedades humanas, marca os primeiros sinais da hominização plena, como suporte de uma firme estrutura de parentalidade sem a qual, homem, mulher e filhos não poderiam ter sobrevivido nas penosas condições de vida, no mundo natural.
E também não poderiam ter evoluído até aos tempos modernos nos quais a cultura exterior simbólica substitui o vínculo à Natureza.
A narrativa hebraica, fundante do povo bíblico, descreve o mundo natural, com a vida “animal”, fácil, do Homem, chamando-lhe Paraíso ou Horta das Delícias, e mostra como macho e fêmea, depois de terem ascendido ao conhecimento, fizeram a identificação do corpo próprio e do corpo do outro - reconheceram que estavam nus, diz o GENESIS - e então, já como eus autónomos, iniciaram um diálogo, que já é humano, sobre quem era responsável pela dificuldade de terem de sobreviver com o seu próprio esforço, fora da Horta das Delícias.
O que esta metáfora quer significar é que o que os seres humanos receberam de Iavé, diríamos em linguagem moderna - que é, também, metafórica -, a sua constituição genética, não lhes vai bastar para sobreviverem. Terão de ser homem e mulher, criativos eles próprios, à imagem e semelhança de Iavé, e gerarem filhos, uns bons como Abel, outros maus como Caim, e extraírem da terra o seu sustento. Lévi-Strauss, descrevendo a vida real, actual, dos índios Nawbikwara, mostra como todo o tempo de homens e mulheres é consumido na busca, em cada dia, do alimento que podem extrair da floresta tropical e no cuidado com os filhos. A isto, apenas, se resume a vida pessoal e social destes grupos humanos que, de forma muito evidente, são agrupamentos de famílias, com regras próprias de relacionamento que não diferem, substantivamente, das que os Códigos Civis dos países civilizados fixam para a família moderna.
De facto toda a evolução social do povo hebreu é baseada na família a partir de Abraão, aquele que saiu, com todos os seus, de Ur, na Caldeia, levando consigo Sara, sua mulher, a quem Iavé permitiu que tivesse um filho, na sua velhice, filho do qual provieram, simbolicamente, todas as tribos de Israel; que, mais tarde, Moisés haveria de conduzir até à terra prometida. A genealogia hebraica de Jesus, referida no início do texto do evangelista Mateus, mostra bem como a família era a própria razão de ser e estar do povo hebraico. Ainda hoje, apesar das perseguições e mortes, um judeu pode conhecer o seu vínculo familiar e a qual das 12 tribos pertence por esse vínculo familiar.
O Cristianismo, pela sua raiz hebraica, desenvolveu ainda mais a importância da estrutura familiar. Reconhecendo, sempre, a sua origem biológica e natural, elevou a constituição da Família ao nível de um Sacramento que é celebrado, livremente, por um homem e uma mulher perante Deus, testemunhado e acolhido por um Sacerdote e festejado por todos os irmãos na Fé, parentes e amigos.
2 – A família moderna
Com a evolução das Nações para Estados de Direito, politicamente organizados e socialmente regulados por leis, a união de homem e mulher, passou a ter um enquadramento jurídico, com direitos e deveres pessoais e patrimoniais. Ou seja, passou a ser reconhecida pelas estruturas políticas e pelo Direito privado, como uma instituição.
Foi um bem, esta evolução, ou foi um mal?
Foi, em muitos aspectos, um bem. Mas trouxe consigo a raiz de muitos males.
Foi um bem sempre que as leis do Estado reconheceram que a celebração de um matrimónio livremente praticada por um homem e uma mulher, por sua livre e espontânea vontade, perante Deus e na presença acolhedora de um Sacerdote, era um acto da maior transcendência social e por isso era acolhido na organização política e administrativa da sociedade, sem mais formalidades e com carácter indissolúvel – não separe o homem aquilo que Deus uniu.
Com a evolução das sociedades, em especial no mundo mais desenvolvido, a união sacramental entre um homem e uma mulher deixou de ser, por sua livre e espontânea vontade e apoiada no amor mútuo e fecundo, para passar a ser, em muitos casos, dependente de interesses familiares ou pessoais, de hipocrisia social, de mera atracção sexual, de comodidade, etc.
Então, estas uniões, não alicerçadas no mútuo amor que sobreleva a todas as dificuldades e se mantém indissolúvel e presente até ao fim da vida, estas uniões, dizia, mesmo declaradas e prometidas perante Deus como um sacramento, revelam-se, afinal, frágeis e a prazo.
Com as primeiras dificuldades, e sempre as há, ou com a infidelidade de um ou outro dos membros do casal, ou de ambos, o vínculo matrimonial dissolve-se, tanto ao nível dos afectos como ao nível corporal e os membros do casal separam-se um do outro, de facto.
O matrimónio católico é, sacramentalmente, indissolúvel e os membros do casal só podem separar-se se, de facto, não tiver havido sacramento. Para que haja sacramento são necessárias certas disposições exteriores e uma forte e clara vivência auto-consciente. Quando uma pessoa humana declara a outra pessoa humana que vai amá-la, ser-lhe fiel e respeitá-la por toda a sua vida, aconteça o que acontecer, está a assumir um compromisso que engloba a vida pessoal em todos os tempos e em todos os modos.
Se este compromisso, apresentado perante Deus, é assumido de forma leviana, insensata ou frívola, sem qualquer expressão na auto-consciência profunda de quem o assume, pode ter havido uma espampanante cerimónia pública, um banquete de luxo, um baile até de manhã, mas não existiu o sacramento do matrimónio.
Do meu ponto de vista não interessa à verdade da religião católica que a sua Igreja,
De facto, na cultura pós-moderna, particularmente depois da generalização do uso da pílula anticoncepcional pelas jovens que iniciam vida sexual activa, muito cedo e sem nenhuma perspectiva matrimonial, estabeleceu-se uma dissociação entre os relacionamentos corporais de homem e mulher e a constituição de uma família para geração e educação de filhos. A mulher, em especial a da classe média e classe média alta, adia a perspectiva de um matrimónio estável e orientado para a geração e educação de filhos, para bem mais tarde, para quando outros objectivos de carreira profissional e de desenvolvimento social tenham sido já atingidos. Até aí vivem, ela e ele, de relacionamentos dirigidos para o prazer sexual genital, ocasionais ou de curta duração, porque não têm uma perspectiva de amor autêntico, nem de fidelidade mútua, numa palavra, de matrimónio.
Esta é a situação de facto que não podemos nem devemos ignorar, por muito que nos custe
Que a Igreja Católica aceite estes casais de insensatos estouvados e se preste a recebê-los, em matrimónio, para ver, pouco tempo depois, como eles anunciam, publicamente, o seu divórcio civil, é para mim incompreensível. Pior ainda quando alegam que casaram “pela Igreja” sem saberem o que estavam a fazer e por isso pedem a nulidade canónica do primeiro matrimónio para voltarem a casar… “pela Igreja”.
Numa sociedade em que uma parte da juventude se está a afastar de qualquer prática de expressão de Fé em Cristo e na sua Igreja, a celebração do matrimónio católico só deve ser permitida aos que, comprovadamente, possuem as disposições exteriores e, principalmente, interiores, para realizarem, validamente, um sacramento e não uma banal cerimónia, mais ou menos folclórica.
Quem não sentir estas disposições não deve desejar um matrimónio católico; se, contudo, têm a intenção de constituir uma família, então, que faça um contrato civil que transforme uma união de facto num vínculo contratual, como quem cria uma sociedade comercial, que estabelece direitos e deveres entre os contratantes e destes com a sua descendência. E que pode ser anulado, por acordo entre as partes, como nos contratos comerciais de aluguer ou de compra e venda.
Mas, a todo o tempo, e como fruto de uma maturação espiritual e religiosa e de uma maior e melhor experiência da vida, estes casais em união civil estável, certamente já com filhos, podem aproximar-se da Igreja e realizarem o matrimónio sacramental, agora com a plena consciência de estarem a assumir um compromisso de amor e fidelidade para toda a vida.
Será como o baptismo de adultos ou a vocação tardia para o sacramento da Ordem ou para o carisma da vida consagrada ao Senhor. Será a elevação da natureza, mesmo degradada, à sobre natureza, em Cristo.
3 – Uma proposta para o presente em ordem ao futuro
Ao lado da anterior proposta para a pastoral do matrimónio que é, do meu ponto de vista, a mais adequada ao desregramento da sociedade pós-moderna, para a qual caminhamos, aceleradamente, na Europa, essa Europa que desdenhou colocar o cristianismo como matriz da sua origem e do seu desenvolvimento, quero apresentar uma outra, mais exigente, mas também mais empolgante para nós os que queremos implantar o reino de Cristo, na Terra.
Em muitas famílias cristãs, que vivem com alegria e felicidade o seu matrimónio pessoal indissolúvel e fecundo, o fracasso dos matrimónios católicos de suas filhas e filhos, com divórcios e posterior afastamento de qualquer prática religiosa, ou porque deixa de ser desejada ou porque não lhes é consentida pela disciplina canónica dos sacramentos, constitui uma ferida de difícil cicatrização, que perturba a convivência familiar e a integração no seio da família alargada.
O que eu proponho é que as famílias cristãs considerem o matrimónio católico das suas filhas e filhos como a sua primeira prioridade. Esta decisão tem de ser tomada e claramente assumida por Mãe e Pai que afirmam que, acima de tudo na vida, o que mais desejam é que os seus filhos e filhas tenham um matrimónio feliz, à imagem do matrimónio feliz e indissolúvel dos seus Pais.
Para realizarem esta missão, porque é verdadeiramente de missão que se trata, têm de procurar, na Igreja e fora dela, toda a informação necessária para a compreensão do mundo social à sua volta, que já não é o da sua adolescência e juventude, nem o do tempo em que namoraram e casaram. Porque a actual aceleração da história não permite que nada volte para trás. E o tempo em que os Pais viveram não volta mais.
Com estudo permanente e reflexão apurada, os Pais Católicos modernos ficarão preparados para conviverem intimamente com as suas filhas e filhos, para os acompanharem no desabrochar dos afectos, da sexualidade genital e emocional, do amor e, algumas vezes, da paixão. Esta educação que é, ao mesmo tempo, informação e formação, acontecerá informalmente na vivência familiar de todas as horas, do pequeno-almoço até desligar a televisão ao deitar, mas sempre no respeito pela intimidade que se vai construindo no filho ou filha que se desenvolve, mês a mês, sob os nossos olhos que não podem ser distraídos, mas sim muito atentos e presentes.
Que nenhuma outra preocupação se antecipe a esta que é a de construirmos filhos e filhas que hão-de ter um matrimónio feliz, mesmo que à sua volta haja adolescentes grávidas, explorações genitais nos sanitários e banheiros das Escolas secundárias, drogas em venda livre, infidelidades, pedofilia, divórcios, agressões às mulheres, até homicídios por motivos sexuais.
Mas não se trata de educar filhas e filhos numa redoma de ignorância, numa super-protecção absoluta e inútil, com proibições absurdas e contraproducentes. Tudo isto já foi tentado e falhou.
Estamos num mundo diferente onde há excesso de informação a todos os níveis e um enorme défice no processo de transformação dessa informação em conhecimento individual. A ajuda dos pais, como educadores pacientes e afectivos, é indispensável para que a informação se transforme em conhecimento pessoal, mas o protagonista para o conhecimento é o filho ou filha, não é o pai ou a mãe.
Porque a família católica não é, nem quer ser, uma estrutura de poder; mas é, e quer ser, uma estrutura mútua de serviço entre os seus membros, na qual os filhos e filhas devem sentir-se livres para perguntar, intervir, criticar e aprender.
As famílias católicas que queiram fazer da felicidade matrimonial dos seus filhos e filhas o seu objectivo principal e prioritário, têm de estar conscientes dos três componentes que garantem o sucesso na prossecução deste objectivo. São eles: conhecimentos, verdade e tempo.
Conhecimentos sólidos e modernos sobre o desenvolvimento corporal, sexual e mental que os seus filhos e filhas vão apresentando ao longo do tempo. Informação bastante e segura sobre a adolescência e o fenómeno psicológico do enamoramento, que actualmente aparece muito mais cedo e é, por vezes, avassalador.
Conhecimentos seguros sobre como estar próximo das filhas e filhos, como agir, como lhes dar espaço, como estar presente ou ausente, como interpretar os sinais, como saber ouvir, como gerir o silêncio, as manifestações de afecto, as palavras.
A regra de ouro é não improvisar nunca, em nenhuma situação.
O segundo componente é a verdade.
Não há nada mais eficaz e apropriado para destruir um processo educativo do que a hipocrisia.
Quando os Pais abraçam este programa de tudo fazer pela felicidade matrimonial de seus filhos e filhas, a verdade tem de ser o clima total da sua própria vida familiar.
É necessário que os filhos e filhas, olhando para os seus Pais, possam dizer como os Romanos diziam dos primeiros cristãos: vede como eles se amam. E este amor entre o Pai e a Mãe tem de ser verdadeiro e não um teatro representado para filho ou filha ver.
Deste amor verdadeiro e concreto de Pai e Mãe, nos dias melhores e nos dias piores, nas horas tristes e nas horas alegres, emana para as filhas e filhos uma mensagem poderosamente educativa, mais forte do que milhares de palavras. As refeições em comum, as festas de aniversários familiares, as grandes celebrações natalícias e pascais, são tudo momentos de expressão do amor que une Pai e Mãe, que as filhas e filhos recebem e nunca mais esquecem. E os que tiverem veia literária hão-de evocá-las, nos seus escritos, trinta ou quarenta anos depois, mostrando, até sem o dizerem explicitamente, como elas influenciaram a sua vida e formaram o seu carácter.
O terceiro componente é o tempo.
Não temos tempo para isso, dizem-me alguns Pais. As Irmãs do Colégio e as Catequistas da Paróquia vão fazer deles bons meninos e meninas. Que ilusão perigosa e enganadora.
Nada nem ninguém pode substituir, com sucesso, o Pai e a Mãe na formação dos afectos e na educação para uma sexualidade saudável.
O Colégio pode ensinar-lhes disciplinas científicas e boas maneiras à mesa. A catequista dar-lhes-á umas noções de religião ao nível da Escola Primária. Mas nada disto tem a ver com a educação e a preparação de uma pessoa para amar outra pessoa de sexo diferente e ser-lhe fiel.
O terceiro elemento é, de facto, o tempo.
O amor é o maior mistério da humanitude dos seres humanos. Para o descobrir, o sentir e o conservar é preciso vê-lo realizado naqueles que se amam e a família é o espaço mais adequado para esta experiência de ver o amor. Mas para que os Pais possam mostrar o seu mútuo amor é necessário tempo de permanência junto dos filhos e filhas.
Quando um casal, seriamente empenhado nesta tarefa de preparar futuros matrimónios felizes para as suas filhas e filhos, identificar qualquer actividade que lhes tira o tempo de estarem um com o outro e ambos com os filhos, deve avaliar, corajosamente, se essa actividade é indispensável ou se pode ser mudada, substituída, adiada ou eliminada.
Sem tempo não haverá disponibilidade, sem disponibilidade dos Pais não se criará nos filhos e filhas, a naturalidade e a confiança indispensáveis para o diálogo e a vivência dos afectos.
É um programa difícil, mas a recompensa de ver, nas nossas famílias, os filhos e filhas com um matrimónio católico, feliz e indissolúvel, compensará de todos os sacrifícios…que nem sacrifícios foram, mas sim actos de amor.
Mesmo que estas famílias sejam uma ilha, cercada de infidelidades, violências e divórcios, elas serão um farol orientador, um exemplo a seguir, um sucesso a conquistar, por todos quantos se preocupam com a felicidade futura dos seus filhos e filhas.
Conhecimentos, verdade e tempo, são tudo o que necessitamos para esta tarefa de preparar os jovens para a vivência do amor autêntico no interior das famílias católicas.
E, também, da Graça do Espírito Santo que Cristo prometeu enviar a todos quantos mereçam recebê-la e que não faltará às famílias empenhadas nesta missão, a um tempo salvadora e reparadora.
Epílogo
João Paulo II, o Papa de quem guardo uma saudade profunda por oito encontros pessoais de deslumbramento e mistério, escreveu, na sua Carta sobre o Evangelho da Vida, estas palavras luminosas:
“Vasto e complexo é, portanto, o serviço ao Evangelho da Vida. Ele manifesta-se cada vez mais como meio precioso e favorável para uma efectiva colaboração com os irmãos das outras Igrejas e Comunidades eclesiais na linha daquele ecumenismo das obras que o Concílio Vaticano II, com autoridade encorajou. Além disso o referido serviço apresenta-se como espaço providencial para o diálogo e colaboração com os seguidores de outras religiões e com todos os homens de boa vontade: a defesa e a promoção da vida não são monopólio de ninguém, mas tarefa e responsabilidade de todos. O desafio que temos pela frente é árduo: somente a cooperação e o acordo de todos aqueles que acreditam no valor da vida poderá evitar uma derrota da civilização com consequências imprevisíveis”.
Tenho dito, porque estas palavras dizem tudo.
DANIEL SERRÃO