Na sequência de anterior post, observaram-nos justamente que os aspectos económicos da Vida não são de desprezar, mesmo reconhecendo a primazia a Valores mais altos. Não era de "desprezo pelo económico" (ou, para usar a fórmula mais clássica embora não necessariamente equivalente de contemptus mundi) o sentido que se pretendia dar à citação da importante Carta Encíclica "sollicitudo rei socialis". Se quisessemos sintetisar o nosso objectivo poderiamos escrever algo como isto "há Vida para além do económico". Nada de muito original, portanto.
No entanto, uma ideia essencial de um PPV que não se quer "single issue party" é esta de que as opções fundamentais no campo meta-económico (ou no campo económico mas determinadas essencialmente por considerandos não economicistas, tais como os Valores da Vida, o respeito pelo Ambiente, etc.) acabam cedo ou tarde (e por vezes demasiado tarde para a escala de análise dos eleitorados) por se repercutir no económico, no tesouro do Estado e na bolsa dos cidadãos concretos. E eis que mais um estimulante artigo do Prof. César das Neves vem apontar precisamente para algumas destas repercussões. Terá saído ontem no Diário de Notícias e pode ser consultado no blogue "o Povo". Com a devida vénia ao autor e ao editor do blogue, republicamos aqui um dos mais significativos excertos onde se aborda a questão do Inverno Demográfico, cada vez mais na ordem do dia:
Excerto de artigo de opinião do Prof. João César das Neves, publicado no DN a 8 de Setembro:
«[...] Foi no consulado de José Sócrates que, pela primeira vez no Portugal moderno, o número de óbitos ultrapassou o de nascimentos, em 2007. Assim, excluindo movimentos migratórios, a população nacional está em acelerada decadência. Este facto estrutural é, sem dúvida, o mais influente e crucial da situação actual. As suas consequências culturais, sociais, psicológicas, económicas, mesmo históricas e nacionais, serão enormes. Até naqueles temas mais mesquinhos, financeiros ou tecnológicos, que costumam preocupar o Governo, os impactos se sentirão.
Todos conhecem bem o drama do financiamento da Segurança Social, que resulta directamente daqui. Mas há muito mais. Deve compreender-se que quando a população está em queda muito do que sabemos da sociedade muda de natureza e inverte a orientação. O que significa "crescimento económico" se a população cai? Valerá a pena fazer investimentos produtivos num mercado em contracção? Para quê novos aeroportos ou ferrovias com menos gente?
Com a população a descer, o preço dos imóveis cairá por ausência de procura e o sector da construção terá de se reconverter para a demolição de casas crescentemente devolutas. Até a Bolsa terá dificuldade em subir num país em decadência. Os custos fixos ganham importância e o Orçamento do Estado aumenta o peso. Na agricultura abundam os baldios, faltam os braços para trabalhar, como as bocas para comer. Tudo tem de ser reconvertido para a desertificação: menos polícias e militares, com menos cidadãos para proteger; menos contribuintes, mas também menos fiscais de finanças.
Este cenário não é inevitável. Mas daqui a umas décadas, se os nossos descendentes sentirem na pele os terríveis efeitos da degradação demográfica e queda da fertilidade, será difícil compreender a ligeireza e irresponsabilidade de um primeiro-ministro que hoje introduz assim o tema da procriação no debate político.»