sexta-feira, 19 de setembro de 2008

...à Esperança!

A CATÁSTROFE * - parte 2

Eça de Queirós



Ah! Se nós tivéssemos sabido!

Mas sabemos agora! Esta cidade, hoje, parece outra. Já não é aquela multidão abatida e fúnebre, apinhada no Rossio, nas vésperas da catástrofe. Hoje vê-se nas atitudes, nos modos, uma decisão. Cada olhar brilha de um fogo! Já não se vê aquela vadiagem torpe: cada um tem a ocupação de um alto dever a cumprir contido, mas valente; e os peitos levantam-se como se verdadeiramente contivessem um coração. As mulheres parecem ter sentido a sua responsabilidade, e são mães, porque têm o dever de preparar cidadãos. Agora trabalhamos. Agora, lemos a nossa História, e as próprias fachada das casas já não têm aquela feição estúpida de faces sem ideias, porque, agora, por trás de cada vidraça, se pressente uma família unida, organizando-se fortemente.

Por mim, todos os dias levo os filhos à janela, tomo-os sobre os joelhos e mostro-lhes a SENTINELA! Mostro-lha, passeando devagar, de guarita a guarita, na sombra que faz o edifício ao cálido de Julho e embebo-os do horror, do ódio daquele soldado estrangeiro...

Conto-lhes então os detalhes da invasão, as desgraças, os episódios temerosos, os capítulos sanguinolentos da sinistra história... Depois aponto-lhes o futuro - e faço-lhes desejar ardentemente o dia em que, da casa que habitam, desta janela, vejam, sobre a terra de Portugal, passear outra vez uma sentinela portuguesa! E, para isso, mostro-lhes o caminho seguro - aquele que nós devíamos ter seguido: trabalhar, crer, e, sendo pequenos de território, sermos grandes pela actividade, pela liberdade, pela ciência, pela coragem, pela força de alma... E acostumo-os a amar a Pátria, em vez de a desprezarem, como nós fizemos outrora.

[...]

Mas agora, esta geração nova é de outra gente. Esta já não diz "isto" está perdido: cala-se e espera; se não está animada, está concentrada...
E depois, nem tudo são tristezas: também temos as nossas festas! E para festa, tudo nos serve: o 1º de Dezembro, a outorga da Carta, o 24 de Julho, qualquer coisa, contanto que celebre uma data nacional. Não em público - ainda o não podemos fazer - mas cada um na sua casa, à sua mesa. Nesses dias colocam-se mais flores nos vasos, decora-se o lustre com verduras, põe-se em evidência a linda velha Bandeira, as Quinas de que sorríamos e que hoje nos enternecem - e depois, toem família cantamos em surdina, para não chamar a atenção dos espias, o velho hino, o Hino da Carta... E faz-se uma grande saúde a um futuro melhor!

E há uma consolação, uma alegria íntima, em pensar que à mesma hora, por quase todos os prédios da cidade, a geração que se prepara está celebrando, no mistério das suas salas, de um modo quase religioso, as antigas festas da Pátria!


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* Como este pequeno texto de Eça nos sugere tantos paralelos entre essas antigas esperanças de 1808 e a crescente onda de esperança, a "saúde a um futuro melhor" que, ante o triste espectáculo do país político ajoelhado diante da força da internacional "cultura da morte", as Veladas pela Vida hoje representam para o Portugal eterno, o Portugal que tem Fé e na Fé sustenta a sua força!...